Às escondidas, elas também fizeram a revolução


Às escondidas, elas também fizeram a revolução

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A história do 25 de Abril é quase sempre contada por corajosos capitães, poetas e cantautores, revolucionários, intelectuais e dirigentes de partidos. Todos homens. De fora, ficam as mulheres que estiveram na linha da frente no combate ao regime, que também sofreram ameaças de prisão, tortura e morte, que renunciaram à família e até à própria identidade.

Quem são estas mulheres?

Onde viveram clandestinas?

Que papel tiveram na Revolução?

Às escondidas, elas também fizeram a revolução

Maria Machado PulquérioMaria Machado Pulquério cresceu entre quintais e tipografias secretas. Quando fez 17 anos, foi estudar para a antiga União Soviética, onde finalmente se pôde abrir ao mundo. Fez parte do braço armado do Partido Comunista Português.
https://www.elas-fizeram-revolucao.divergente.pt/wp-content/uploads/2022/03/storyposter-maria-machado.jpg
Luísa Tito de MoraisUm exílio forçado levou Luísa Tito de Morais até Paris, Praga e Argel. Quando voltou a Portugal para se juntar à resistência clandestina, descobriu que ser mulher — e mãe — a limitava mais do que estava à espera.https://www.elas-fizeram-revolucao.divergente.pt/wp-content/uploads/2022/03/storyposter-luisa-morais.jpg
Adélia Correia Terruta20/03/1939GrândolaMaria, Isabel Maria, Alice Maria de Sousa7 anos, 9 meses e 25 dias2 anos, 6 meses e 27 dias38.71896400343032, -9.168226815344193
Aida da Conceição Paula9/12/1918LisboaGenovena, Rosa, Marta, Isabel, Maria Fernanda Soares18 anos, 6 meses e 8 dias10 anos, 10 meses e 20 dias38.72872451952526, -9.15689015767213
Aida de Freitas Loureiro Magro04/04/1918Huíla, AngolaEva12 anos5 anos, 8 meses e 8 dias38.72783964238743, -9.1202587865069
Albina Fernandes05/01/1928Soissons, FrançaRosália, Clara da Silva12 anos, 2 meses e 15 dias6 anos, 6 meses e 27 dias38.76338112824799, -9.23214442209012//38.704991609520306, -9.196873671163951//38.69725933604765, -9.426691360138761
Amélia Maria Estêvão25/04/1937CorucheIrene, Maria Augustax4 anos, 11 meses e 22 dias38.639401642518415, -8.958865392128912
Cândida Margarida Ventura30/06/1918Maputo, MoçambiqueJoana, Rosa, André, Rosário, Catarina Mendes, Vitória17 anos e 3 dias2 anos, 11 meses e 8 dias38.74795080132133, -9.1471365
Casimira da Conceição Silva08/09/1917Vila Franca de Xirax7 anos, 3 meses e 9 dias2 anos, 7 meses e 4 dias38.72386479166239, -9.120303128836051//38.69614097178122, -9.376078587204788
Colélia Maria Alves Fernandes07/02/1929LouresMaria Reis Silva Valença, Leonor Borges, Inês11 anos e 18 diasx38.70998191259282, -9.146153639520879//40.16561575020548, -8.87479081563405
Domicília Maria Correia da Costa25/01/1946Vila Franca de XiraDeolinda, Daniela, Cilinha17 anosx38.70265424774109, -9.183924840371642//41.16480277839713, -8.57198048705239//38.70034247981826, -8.95342518436088
Fernanda de Paiva Tomás08/11/1928MortáguaMaria, Maia, Ana9 anos, 1 mês e 6 dias9 anos, 9 meses e 18 dias38.70265424774109, -9.183924840371642
Georgette de Oliveira Ferreira25/07/1924Vila Franca de XiraHelena, Paiva9 anos, 2 meses e 6 dias4 anos, 10 meses e 18 dias38.5726044627039, -8.884524115722934//41.16275546424744, -8.611124908794544
Ivone Conceição Dias Lourenço03/04/1937Vila Franca de Xirax12 anos, 6 meses e 23 dias6 anos, 6 meses e 17 dias38.72386479166239, -9.120303128836051//38.63485911427887, -8.914537091374722
Joaquina Gomes Martins03/06/1910Barreiroxx1 ano, 4 meses e 22 dias38.7412885452666, -9.161644060217277//38.79904546314229, -9.343041235256043
Laura dos Santos Correia Serra14/10/1924Lisboax24 anos, 4 meses e 28 dias3 dias38.72555544452864, -9.11773777778397//40.21370914241402, -8.426379413491853//38.72705727464558, -9.133835382563376//38.711739205515165, -9.162535230688391//38.929826724407555, -9.224903056666216//41.333491353673416, -8.726876552427393//38.78437839079273, -9.28157903829519//40.76141553412432, -8.567427973571325//41.154305730935114, -8.626956135745534//38.71868628788669, -9.161162843479588//40.1949371821525, -8.402658948968005//38.80014633111673, -9.381986499999998//38.796387397193925, -9.472590355917676//38.723124439950475, -9.155258787124424//38.655101074186064, -9.072972302468765//40.95220931523974, -8.655187237270551
Luísa da Conceição Paula25/12/1898Lisboaxx5 anos, 3 meses e 12 dias38.72872451952526, -9.15689015767213
Luísa Rodrigues07/03/1903LisboaLaura, Maria7 anos, 1 mês e 11 dias7 meses e 22 dias40.65214969833657, -8.452165452758114
Maria Adelaide Dias Coelho Aboim Inglez27/03/1932Castelo BrancoMaria Luísa Santos Costa, Margarida da Silva Lopes5 anos1 ano, 9 meses e 20 dias38.711868756407696, -9.168035249173624//38.71862052384588, -9.122356238338648
Maria Alda Barbosa Nogueira19/03/1923Lisboax15 anos, 3 meses e 13 dias9 anos, 1 mês e 21 dias38.72991263821518, -9.125993260586833
Maria Alice Dinis Parente Capela12/07/1941Vila Franca de XiraOlga, Teresa, Maria Cristina13 anos, 11 meses e 13 dias4 anos, 9 meses e 10 dias38.70613419977984, -9.17708828465695//38.721442185627744, -9.122797042327901//38.74581615076835, -9.22318213093614//38.70614673797134, -9.177131202547082//38.75809010073179, -9.140766870598837
Maria Clementina da Conceição Coelho Amália16/11/1915SetúbalJúlia, Rosa, Mariax6 meses e 3 dias38.75809010073179, -9.140766870598837//41.16275546424744, -8.611124908794544//41.160271234383124, -8.59457170889804
Maria Clementina de Jesus25/05/1909Óbidosxx1 ano, 4 meses e 9 dias38.736625196438176, -9.122625786750616
Maria da Conceição Rodrigues de Matos Abrantes21/12/1936São Pedro do SulMarília, Maria Helena4 anos, 5 meses e 21 dias1 ano, 8 meses e 10 dias38.70935421797186, -8.969123488609338
Maria da Glória Simões24/08/1916Vagosxx4 anos, 5 meses e 2 dias38.716247068055324, -9.172568265349188//38.70388570049834, -9.200803971333182//41.19001225554312, -8.640511500655961//38.70614673797134, -9.177131202547082//38.75809010073179, -9.140766870598837//38.71619255729365, -9.172678923607606//38.72234521626995, -9.131024196399382//41.155716110696446, -8.610004646790992
Maria da Piedade Gomes dos Santos10/12/1919Marinha Grandex16 anos, 6 meses e 5 dias5 anos, 9 meses e 14 dias38.70103165066484, -9.206183744796254//38.70141445379226, -9.183178810407522
Maria dos Santos Machado25/02/1890Calheta, AçoresRubina3 anos, 10 meses e 7 dias2 anos, 8 meses e 21 dias39.845260412171974, -8.348733968485305
Maria Fernanda do Patrocínio Ferreira Alves Rodrigues03/07/1931LisboaCecília4 anos, 3 meses e 6 dias4 anos, 9 meses e 9 dias38.73938508676227, -9.147215602466355
Maria Fernanda SilvaxMadalena, Elsaxxx41.164388535725, -8.6016213063034//41.16252180852459, -8.638394702394809//41.36265911678506,-8.748530506385965//41.19266917156419, -8.611315151181651//41.16051791713879, -8.632547453028796
Maria Lourenço Calção Cabecinha17/03/1933Montemor-o-NovoLina16 anos, 1 mês e 12 dias5 anos, 5 meses e 7 dias38.639401642518415, -8.958865392128912
Maria Luísa Mealha Tito de Morais19/08/1942Lisboax2 anosx38.74325388656493, -9.141569716261335//38.7389510907608, -9.120504858203983
Maria Luísa Palhinhas Costa Dias15/10/1916CoimbraMaria Cecília19 anos4 anos, 5 meses e 2 dias38.47964166938074, -8.993510982835849
Maria Machado Castelhano Pulquério22/12/1949SerpaLeonor, Maria, Maria Helena15 anosx38.774738502430736, -9.269485416010884//38.75428705244665, -9.200600055819756//38.78893046554234, -9.182927800169352//38.74634418768019, -9.221993248573552//38.75740210033964, -9.207073848681834//38.77971454208465, -9.325846871905926//38.74403460772287, -9.156751129071719//38.735336339330054, -9.4107285624052//38.96156557830097, -9.355367530816801//38.82408325103448, -9.271625715957157
Maria Margarida Carmo Tengarrinha Campos Costa07/05/1928PortimãoLeonor15 anosx38.750238328311774, -9.137207542327902//38.69592864391, -9.218948573264482
Mariana Rafael MoraisxAlmadaMaria, Clara20 anosx38.72232422942424, -9.131011049417376
Sisaltina Maria dos Santos05/04/1926SinesZulmira, Maria Carolina dos Santos Pereira21 anos10 meses e 27 dias41.17822890585785, -8.581996046649131//40.29842604751102, -7.506157438940834
Sofia de Oliveira Ferreira01/05/1922Vila Franca de XiraElvira, Zélia, Soares, Maria Adelaide13 anos e 10 meses11 anos, 9 meses e 14 dias40.64028324334186, -8.446982122753568//40.38387533868018, -8.381080700085821//38.795090122874704, -9.16645191312348
Teodósia da Conceição Vagarinho Gregório11/01/1935Montemor-o-NovoLucinda16 anos e 9 mesesx38.69592864391, -9.218948573264482
Úrsula Machado Castelhano Pulquério28/02/1924Serpaxx4 anos, 3 meses e 1 dias38.774738502430736, -9.269485416010884//38.75428705244665, -9.200600055819756//38.74634418768019, -9.221993248573552//38.75740210033964, -9.207073848681834//38.77971454208465, -9.325846871905926//38.74548797033444, -9.223569419316158
Victória Barbosa Nogueiraxxxxx38.72991263821518, -9.125993260586833
Zita Maria de Seabra Roseiro25/05/1949CoimbraTeresa, Helena Vaz da Silva8 anosx41.17951057907975, -8.369235515431809//41.619042923956414, -8.631796044378927

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Maria Machado Pulquério

1. De casa às costas

Pelas próprias contas, Maria Machado Pulquério não esteve mais do que oito meses na casa de onde guarda as melhores memórias da juventude. “Normalmente as casas [clandestinas] duravam pouco tempo, acontecia sempre qualquer coisa que nos obrigava a sair.” Mas aquela, uma pequena casa térrea com vista para as colinas de Rio de Mouro, em Sintra, ganhou um lugar especial — marcou o regresso da irmã mais nova para junto da família. A chegada de Zezinha, como todos lhe chamam, rompeu-lhe a solidão à qual já se habituara, deu-lhe um novo alento. Tinha agora alguém com quem partilhar os devaneios próprios da idade. 

Maria nasceu em Vale do Vargo, uma pequena aldeia entre o rio Guadiana e Espanha. Corria o ano de 1949, vivia-se a ressaca das marchas da fome da década de 40. Operários, pescadores e camponeses de Lisboa e do Ribatejo reivindicavam “pão e géneros” em protesto pelo racionamento de alimentos imposto por Salazar.

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“Aquela terra era muito castigada porque só havia latifúndios e as pessoas trabalhavam sazonalmente na apanha da azeitona, na ceifa… Não tinham um trabalho regular e havia muitas lutas por causa disso. Lembro-me de uma manifestação com o pessoal todo na rua a gritar. Eu ia com a minha mãe e com a minha irmã mais velha, e a minha mãe dizia ‘Gritem, filhas, gritem que têm fome!’. E era verdade, passávamos fome.”

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No final dos anos 1950, o salário médio de um trabalhador rural, fora do período da ceifa que acontecia nos meses de Verão, rondava os 26 escudos (cerca de 13 cêntimos), que mal dava para cobrir um litro de azeite (14$80/0,08€), uma dúzia de ovos (9$28/0,05€) e um litro de feijão (5$13/0,03€).

Saíam antes do Sol nascer, e voltavam depois do Sol posto, carregando às costas 14 horas de trabalho — isto quando o havia. A luta por melhores salários e menos horas de lavoura fazia-se na praça de jorna, o largo das aldeias onde os assalariados vendiam o tempo e o labor aos grandes senhores da terra e seus capatazes.

Meus senhores eu venho à praça
Este meu corpo oferecer
Este meu corpo-carcaça
De se comprar e vender
De se comprar e vender
De bem se negociar
No negócio de render
Sem ele eu nada ganhar.

“Minhas senhoras e meus senhores…: vida, fome e morte nos campos de Beja durante o salazarismo”, Paulo Lima e Susana Correia]

Por todo o país, a Guarda Nacional Republicana (GNR) cercava, batia e prendia manifestantes. Para uma criança, que não sabia o que era a repressão do regime ou a luta por melhores condições de trabalho, os agentes da autoridade eram apenas “os maus”.

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“Quando se aproximava o 1.º de Maio, a GNR fazia uma ronda pelas casas daqueles que sabia serem os mais activos. Era o caso do meu pai, do meu vizinho do lado… Portanto, eu fiquei com essa ideia de que os polícias eram maus, vinham prender pessoas que não faziam mal nenhum.”

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Em 1954, na véspera do 1.º de Maio, Dia do Trabalhador, o azar também lhes bateu à porta. A mãe ainda conseguiu esconder exemplares do, na altura clandestino, jornal “Avante!”; mas o pai foi preso na mesma. A história repetiu-se, e repetiu-se, e repetiu-se, forçando a família de Maria a abandonar Vale do Vargo e a mudar-se para o Barreiro, na Margem Sul de Lisboa. Primeiro, em semiclandestinidade — um período de transição, vivido em casas de outros “camaradas” do Partido Comunista Português (PCP), em que se cortavam progressivamente ligações com amigos, família e a vida que levavam até então; depois, em clandestinidade efectiva, em casas alugadas com identidades falsas. Maria foi a única das três irmãs que não lhes seguiu o rasto: primeiro ficou a viver com os tios; depois, com os avós, para poder concluir o ensino primário.

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“Foi angustiante estar separada dos meus pais tanto tempo. Lembro-me que uma vez vinha da escola pela linha do comboio — andava cinco quilómetros a pé para chegar à escola e outros cinco para regressar a casa —, vi as pernas de uma pessoa lá no monte e disse “Ai, é o meu pai!”. Não era; era outro camarada que tinha vindo saber como é que estavam as coisas. Foi uma desilusão desgraçada.”

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Aproximava-se o fim do ano lectivo e em Maria crescia a esperança de voltar para junto dos pais: “Mais dia, menos dia, aparecem”, pensava. Cada dia a mais de espera era um sufoco. 

Seis anos depois de se ter separado da família, a mãe foi buscá-la a casa dos avós. Tinha já 11 anos quando voltou a ver a mãe, as irmãs e o pai. “A minha consciência política era pouca, naquela altura ainda nem tinha bem a noção do que isso era. Só queria ir para junto dos meus pais. A minha entrada na clandestinidade dá-se por isso, por querer estar perto deles, como qualquer criança.”

Voltou Maria, partiu Zezinha — era a vez da mais nova entrar na primeira classe. “Na clandestinidade não podíamos ir para a escola. Tínhamos nomes falsos, moradas falsas. Não dava.” Pouco depois, a irmã mais velha, Úrsula, foi estudar para a União Soviética, no Conservatório de Moscovo, e ficou por lá. Nos encontros e desencontros da clandestinidade, Maria acabou por passar grande parte da infância longe das irmãs. Só passados 13 anos voltariam a estar juntas as três, já depois do 25 de Abril de 1974. 

Quando falam na passagem à clandestinidade, as militantes do Partido Comunista usam o verbo “mergulhar”. Mergulhavam numa vida que não era a delas: mudavam o estilo do cabelo e da roupa; inventavam um passado, uma profissão e uma história que fosse capaz de justificar estarem a viver numa determinada casa, em determinada localidade. De camponesas ou estudantes, passavam a professoras, tradutoras ou donas de casa. Ensaiavam a mesma cantilena vezes sem conta, não fosse um vizinho ou comerciante mais curioso e atento apanhá-las em falso. Aprendiam a responder, em modo automático, a um nome que não era o seu.

“Eu comecei a aprender a ser actriz. Acho que as pessoas na ilegalidade são muito actrizes. (…) Eu tive tantos nomes falsos que, quando fui presa grávida do meu filho, eles levaram-me para a Maternidade Alfredo da Costa (…), eu cheguei ao guichet para fazer a inscrição com o meu nome legal e fiquei a perguntar-me durante uma fracção de segundo: “Como é que eu me chamo?” Não me lembrava… Não me lembrava do meu nome próprio, do meu nome verdadeiro.”

Fernanda Alves Rodrigues no livro “Mulheres da clandestinidade” de Vanessa de Almeida

Nem todas as mulheres mergulharam na clandestinidade como Maria Machado Pulquério, uma criança que só queria voltar para perto dos pais. Para algumas foi uma escolha já na vida adulta, por militância, para acompanhar os maridos ou tentar escapar à Polícia Internacional e da Defesa do Estado (PIDE). Umas passaram pela fase de semiclandestinidade; outras simplesmente foram, sem lugar para grandes preparos.

Margarida Tengarrinha — que também se chamou Maria, Marta e Leonor — é uma das vozes mais activas entre as mulheres que viveram clandestinas durante a ditadura, a que os livros de história também chamam de Estado Novo (1933-1974). Fala com uma energia que não esmorece aos 93 anos. “Não é Estado Novo, é ditadura”, corrige os mais distraídos. Ao contrário de Maria Machado Pulquério, Margarida só passou à clandestinidade com 27 anos, depois de um período na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa e nas fileiras do Movimento de Unidade Democrática (MUD) Juvenil. Natural de Portimão, teve também de camuflar o sotaque: “Como nunca podia dizer que era do Algarve, tinha um cuidado enorme (…) Consegui ter uma pronúncia anódina, indistinguível, dizendo que era de Coimbra ou da Estrada da Beira, ou dizendo que era de Santarém, mas sempre fugindo ao tipo de pronúncia que tinha dantes, algarvia”, explica à investigadora Cristina Nogueira, no livro “Vidas na Clandestinidade”.

Não há muitos registos dos tempos que estas mulheres passaram na clandestinidade. Os funcionários do Partido Comunista eram aconselhados a escrever o mínimo possível, documentar o mínimo possível. Decorava-se a informação e, quando esta já não era útil, esquecia-se. Por regra, não se guardavam objectos, fotografias, documentos. Assim, quem vivia clandestino corria menos riscos, e as mudanças de casa — que se tornaram rotineiras — eram mais fáceis. Talvez por isso o livro autobiográfico que Margarida Tengarrinha escreveu, “Memórias de uma Falsificadora: a luta na clandestinidade pela liberdade em Portugal”, se tenha tornado numa referência para contextualizar o quotidiano destas mulheres.

Estas regras estavam ainda muito distantes de Maria quando, ainda menina, se juntou à família na clandestinidade. Sabia que não era suposto brincar com outras crianças ou falar sobre o que se passava em casa, e que deveria, sempre que alguém batia à porta, dizer que os pais não estavam. Com todos os constrangimentos da resistência clandestina, tinha uma vida muito diferente de outras crianças. Ainda assim, como qualquer miúda, às vezes também se metia em sarilhos.

Para quem viveu clandestina, um susto, dois, ou até três, eram mais do que esperados. Hoje, ao recordar cada peripécia, Maria ri-se, mas na altura a ansiedade que sentia era quase palpável — a possibilidade de a PIDE entrar de rompante numa casa era o suficiente para gelar o sangue a qualquer um. Mas a casa onde vivia não era como outra qualquer: por detrás da entrada, composta com um jarro de flores e um quadro para, como se costuma dizer, dar um ar de sua graça, escondia-se um dos aparelhos tipográficos do PCP, responsável pela impressão de jornais e panfletos clandestinos como o “Avante!” ou “O Militante”, um boletim de reflexão teórica para os membros do Partido Comunista.

A tipografia, explica Maria, era artesanal: “Não havia máquinas, era tudo feito manualmente. Eu ajudava os meus pais nessa tarefa, fazíamos a composição do texto com as letrinhas uma a uma.” Terminada uma página, colocava-se num caixilho de ferro e apertavam-se as letras de chumbo para ficarem presas e formarem uma espécie de carimbo. Passava-se uma camada de tinta como quem pinta uma parede, sobrepunha-se uma folha em branco e comprimia-se com um pesado rolo metálico forrado a flanela. Fazia-se uma primeira prova, não fosse ter escapado alguma gralha. Depois, iniciava-se um automatismo que os músculos já conheciam de cor e salteado — espalhar a tinta, pôr a folha, passar o rolo; espalhar a tinta, pôr a folha, passar o rolo; espalhar a tinta, pôr a folha, passar o rolo; “apesar de primitivo”, lembra, até saía bem.

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“A estadia na tipografia, ter feito o “Avante!” e “O Militante” e aqueles folhetos todos, obrigou-me a escrever sem erros. Foi muito engraçado. Custa-me mais escrever agora.”

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Rádio a soar, cuidados redobrados — assim seguia o trabalho. “Trabalhar era também uma maneira de manter a cabeça ocupada”, conta Maria. Em tempos de clandestinidade, qualquer distracção era pouca.

Descobrir e desmantelar tipografias era uma das grandes prioridades da polícia política. No princípio da década de 1960, o Comité Central do PCP pôs várias prensas a funcionar em simultâneo no Norte, Centro e Sul de Portugal. Mesmo quando alguma tipografia caía às mãos da PIDE, outras continuavam o trabalho, permitindo a publicação do “Avante!” de forma ininterrupta de 1941 até 1974.

Era também nestes prelos clandestinos que se imprimiam outros jornais e boletins, como “O Militante”, “A Voz das Camaradas”, “O Corticeiro”, “O Camponês”, ou “O Têxtil”.

Mudar uma tipografia de casa, como fizeram várias vezes os pais de Maria — da Damaia para Venda Nova, na freguesia da Amadora; de Venda Nova para Benfica; de Benfica para Rio de Mouro; de Rio de Mouro para Idanha, também na Amadora — era, nas palavras de Manuel da Silva, responsável pelas tipografias clandestinas entre 1951 e 1963, “o cabo dos trabalhos”. Só um rolo pesava quase 30 quilos.

2. Linhas de defesa

8 de Março de 1971. É quase uma da madrugada e a noite está cerrada. Helicópteros e aviões enchem por completo o pavilhão da Base Aérea N.º 3, em Tancos, onde Ângelo de Sousa e Carlos Coutinho seguram lanternas que iluminam pouco para além dos próprios pés. Os movimentos fazem-se delicados — é imperativo que não se acorde ninguém no quartel. 

Ângelo de Sousa era cabo miliciano na Força Aérea e cumpria o serviço militar obrigatório. Para ele, arranjar a chave que lhes dava acesso ao pavilhão não foi tarefa propriamente hercúlea — durante o exercício militar, apercebeu-se de que os oficiais e sargentos se esgueiravam para encher os depósitos dos próprios carros com a gasolina dos aviões, antes de partirem de fim de semana; o encarregado da chave do hangar não tinha outro remédio senão colaborar. “Pudera, ia dizer que não… a superiores?! Ainda arranjava alguma encrenca. Além do mais, queria lá saber, a gasolina não era dele; se fosse apanhado, diria que não sabia de nada”, conta Raimundo Narciso, funcionário do PCP na clandestinidade desde Junho de 1964.

Desenha-se o plano; Ângelo pede a chave: “A gasolina é para o carro do Canejo, ele é um enrascadinho e tem medo de lhe pedir.” Faz-se uma cópia, combinam-se reuniões e reconhecimentos do terreno. Ensaia-se uma, duas, três vezes. O mais importante é não acordar o quartel. Não podem ser apanhados no hangar, muito menos com toda aquela carga explosiva.

Em Santarém, Raimundo espera impaciente no carro. Por que raio estão a demorar tanto tempo? Estaria alguma coisa errada? O peito aperta, o rosto, tivesse-se olhado ao espelho, estaria certamente pálido. Carlos e Ângelo regressam ao carro já depois das duas da madrugada e, por volta das 3h20, o quartel acorda em sobressalto com as explosões. A carga incendiária e a gasolina dos depósitos, lembra Raimundo, “provocaram um grande incêndio que destruiu parcialmente o hangar” e inutilizou as 28 aeronaves que lá se encontravam.

A acção de sabotagem — a maior perpetrada em Portugal e da qual Maria Machado Pulquério também fez parte — foi executada pelo braço armado clandestino do PCP, a Acção Revolucionária Armada ou A.R.A. Não era a primeira vez — a estreia fez-se com o Cunene, um navio de transporte de tropas atracado na doca marítima de Alcântara, em Outubro de 1970. Outras se seguiram: na Escola Técnica da PIDE e no Centro Cultural dos Estados Unidos em Novembro de 1970; nas recém-construídas instalações do COMIBERLANT, o Quartel-General do Comando da Área Ibero-Atlântica da NATO, em Oeiras, em Outubro de 1971; e nas torres eléctricas de alta tensão no Porto, Coimbra, Alhandra e Belas, em Agosto de 1972. O objectivo era sempre o mesmo: sabotar o aparelho militar e logístico que alimentava a ditadura e a Guerra Colonial.

As bombas usadas em muitas destas acções eram montadas num laboratório em Arruda dos Vinhos, onde Maria e Raimundo viviam. Conheceram-se em 1967, quando viajaram até Moscovo com centenas de outros jovens comunistas de todo o mundo para frequentar um curso político na escola do Komsomol — como se chamava a Juventude Comunista da então União Soviética. Lá, estudaram Economia Política, Filosofia (com especial ênfase no materialismo dialéctico), História do Movimento Operário e Comunista Internacional e, uma das disciplinas preferidas de Maria, Russo — “Dobroye utro, tovarishch”, era assim que cumprimentavam, à pressa, a vigilante idosa à entrada dos dormitórios.

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Fui sozinha para o Porto. O meu pai meteu-me no comboio em Braço de Prata [em Lisboa] para o Porto. E pronto, fiquei ali e às tantas apareceu uma pessoa e fui com ela. E, nessa casa, aconteceu uma coisa que me deixou perplexa, porque não era normal acontecer. A pessoa que me foi buscar estava casada com uma tia minha que também estava na clandestinidade, irmã da minha mãe; com quem a gente trocava, de vez em quando, cartas para saber como é que estava. Através do partido, claro, não era do correio. E às tantas, essa pessoa, vou com ela – não sabia que era ele, não o conhecia, não sabia que era a pessoa que vivia com a minha tia.
Mas às tantas ele disse-me:  “Fecha os olhos”. Sei que estávamos na zona do Porto, mas não faço ideia nenhuma do sítio. Às tantas, parámos e ele disse “Agora podes abrir os olhos”. E abre-se a porta e é a minha tia, que eu não via há anos. Há montes de anos. E fiquei aterrada, quer dizer, fiquei espantada, porque não é normal no partido estas coisas. Ou não sabiam, ou pensaram “Bom, ela viu a tia em miúda, já se esqueceu completamente, sabe lá se é a tia, se não é.” E, portanto, apanhei um grande choque porque não lhe podia dizer que era a sobrinha dela. Ela não me reconheceu. Só que um dia, andava a estudar francês por mim própria, sozinha, e tinha um caderninho de significados. Às tantas, mostrei-lhe o caderninho. Ela olha para aquele livro e diz assim: “Epá, esta é a letra das cartas que vêm da minha irmã!” E aí, eu disse-lhe “Mas claro, eu sou a tua sobrinha, a Maria.”

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Com 17 anos, Maria passou a chamar-se Leonor. Atravessou a fronteira a salto por Trás-os-Montes até Espanha; de Hendaia, na fronteira franco-espanhola, apanhou o comboio para Paris, em França, e depois para Zurique, na Suíça; de Zurique, um avião levou-a até Praga, na então Checoslováquia, e finalmente aterrou em Moscovo, na então União Soviética. Foi também a primeira vez que andou de avião. Para quem tinha passado os últimos seis anos clandestina, a vida em Moscovo era uma lufada de ar fresco. Lá, assistia a espectáculos de ópera, ballet, teatro… Aos sábados à noite, havia bailes no salão de convívio e jovens apaixonados faziam serenatas às suas pretendentes. Foi também aí que se apaixonou por Raimundo. 

Maria voltou a Portugal no fim do ano lectivo de 1967. Em Março do ano seguinte, despediu-se dos pais sem saber quando os voltaria a ver e foi ter com Raimundo à primeira casa clandestina onde viveram — o primeiro andar do número 2 da Rua Veloso Salgado, em Lisboa. Como um casamento convencional era impraticável, fizeram uma cerimónia simbólica. Não houve padre, nem família, nem boda, nem véu — apenas a benção de um camarada, leitão e espumante.

Ainda em 1968, Raimundo foi destacado para integrar a direcção da A.R.A. e não tinha tempo a perder: alugaram-se arrecadações e carros; guardaram-se pistolas, metralhadoras, relógios e materiais de electrónica; arranjou-se plástico e trinitrotolueno, mais conhecido por TNT, uma substância química amarelo-pálido, utilizada sobretudo em explosivos.

Por essa altura, Maria tinha também outras preocupações — a 22 de Dezembro, no seu vigésimo aniversário, nasceu a primeira filha do casal; chamaram-lhe Leonor, o mesmo nome que a mãe usava na altura. Ainda assim, continuou a ajudar os camaradas no trabalho técnico, na preparação dos engenhos e das acções, na impressão de comunicados e propaganda: “O laboratório era uma casa que alugámos no campo para passar férias, e onde guardávamos as coisas: tirámos um bocado do soalho, escavámo-lo, e ficava tudo lá em baixo.” Os três davam longos passeios para estudar os alvos. A pequena nem desconfiava.

Foram muitas as noites que Maria passou em branco graças à Ação Revolucionária Armada. Ficava com o coração nas mãos, à espera de notícias: “Não dormia enquanto ele não chegasse a casa.” Nas horas de incerteza, assombravam-lhe as mesmas dúvidas que a Raimundo — E se as bombas explodissem ao serem montadas? E se fossem apanhados? Uns meses antes, a 21 de Março de 1971, acordaram de sobressalto, às cinco da manhã, com um barulho e uma luz de lanterna que espreitava pela janela. O pânico foi imediato. Só podia ser a PIDE, pensaram; a polícia do Estado era conhecida por assaltar casas na calada da noite. Já Maria tinha acendido um fósforo para destruir documentos, quando uma voz conhecida sussurrou do outro lado da janela: “Sou eu, o Alfredo!”, vinha com uma mensagem urgente que não podia esperar até de manhã.

O fósforo foi um dos grandes pilares das mulheres na clandestinidade. Na defesa da casa, era de maior importância destruir todos os documentos que pudessem revelar detalhes da estrutura clandestina no PCP, ou incriminar funcionários, membros e simpatizantes do partido. No livro “Quadros da Memória”, Margarida Tengarrinha conta que logo numa das primeiras reuniões que tiveram, o controleiro — ponto de contacto que acompanhava cada conjunto de funcionários — lhes disse: “Acrescentem nas despesas mais 80 escudos [40 cêntimos] para uma caixa de fósforos. Essa caixa deve ficar sempre ao lado dos materiais mais conspirativos, com uma garrafa de líquido inflamável, para em qualquer momento de perigo vocês poderem queimá-los.” A partir daí, “essa caixa de fósforos passou a chamar-se ‘a caixa de fósforos do partido’.”

A defesa da casa era, por decisão do PCP, a actividade destinada a quase todas as mulheres na clandestinidade. Assim que deixou as tipografias e foi viver com Raimundo, tornou-se também a principal tarefa de Maria.

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“Era uma grande diferença, eu era responsável por uma casa. Estava sempre atenta ao que se passava, quando saía à rua não podia ir ao café nem ao cinema. Era raro, mas de vez em quando ia com a minha filha pequenina ao jardim perto do convento de Odivelas. A responsabilidade da defesa da casa era vigiar e deixar um sinal quando iam lá camaradas. Deixava um prego velho e retorcido num determinado local para a pessoa saber que não havia problema, que poderia ir em segurança. Tinha de ser uma coisa sem utilidade para as pessoas. A gente sabe que principalmente os velhotes têm a mania de levar tudo. Muitas vezes, ainda havia um segundo reforço: punha-se um pano no estendal que se via a uma certa distância.”

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A vida clandestina multiplicava-se em encargos: imprimir jornais e folhetos e distribuí-los pelo país, organizar os comités regionais ou locais, falsificar documentos de identificação, garantir a passagem ilegal pelas fronteiras. E, claro, a defesa da casa — realizada por mulheres, era a tarefa fundamental que garantia todas as outras. 

Estar de olho nas movimentações da rua; apontar matrículas; manter uma relação cordial — mas não demasiado amigável — com os vizinhos; escutar conversas no corredor; ter na ponta da língua uma resposta credível para qualquer pergunta que pudesse surgir; comunicar suspeitas; fingir um ar de normalidade em casa; estudar — quando se sabia ler — os materiais do partido; gerir a mesada para não acabar antes do fim do mês; limpar a casa, fazer a comida e, sobretudo, não andar demasiado pela rua. Essa era a regra obrigatória: a defesa da casa fazia-se em casa.

Aida da Conceição Paula
“O mais difícil para mim, porém, foi o isolamento. Durante o tempo em que estive clandestina, tentei, com a ajuda fraterna dos camaradas, por todos os modos, que a solidão não me afectasse em demasia.” 

“Mulheres portuguesas na resistência”, Rose Nery Nobre de Melo

Maria Alda Barbosa Nogueira
“Devo dizer que não tínhamos contactos a não ser com os vizinhos ou com as pessoas que trabalhavam connosco. A vida tornava-se muito dura, visto que o convívio era muito restrito. Isso causava a alguns camaradas grandes problemas de nervos e solidão.”

“Mulheres portuguesas na resistência”, Rose Nery Nobre de Melo

Maria Machado Pulquério
“Não era um risco acrescido, mas as mulheres na clandestinidade, pelo menos da minha experiência, estavam muito sozinhas. Ele [o Raimundo] trabalhava na organização e saía de casa para as reuniões; eu só convivia, de vez em quando, com os camaradas que iam lá a casa reunir-se, não tinha contacto com mais ninguém. Era uma vida muito solitária.”

Se o isolamento é tema recorrente nos testemunhos de mulheres que viveram na clandestinidade, o medo também o é. Medo de serem denunciadas, medo de serem apanhadas pela PIDE, medo de serem presas, torturadas, assassinadas. Ainda assim, “a gente habitua-se”: “Tinha de aprender a conviver com o medo. Não podia estar permanentemente em pânico e sem conseguir fazer nada. E se fosse presa, era presa. O que é que eu podia fazer, não é?”

3. Do lado de fora

Maria teve sorte, se é que se pode usar esta palavra. Apesar dos muitos sustos, nunca chegou a ser presa. Mas nem todos partilharam o mesmo destino. Pouco depois de se juntar com Raimundo, em Agosto de 1968, soube que os pais e a irmã mais nova tinham sido detidos. Zezinha contava apenas 14 anos, mas ainda assim foi encarcerada em Caxias, onde ficou durante 18 dias: “A permanência de crianças nas cadeias do Estado Novo foi uma realidade ainda hoje não inscrita na memória colectiva do país”, sublinha a historiadora Vanessa de Almeida, no livro “Mulheres da clandestinidade”.

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“Soube de mais coisas depois de falar com a minha irmã. Ela fica muito perturbada quando fala disso… Eu não podia fazer nada, estava na clandestinidade. Eles foram imensamente torturados; a minha mãe tentou suicidar-se na cadeia, estas coisas são complicadas. Não podia fazer nada, ou ia também meter-me na boca do lobo. A minha irmã é que aguentou essa situação toda, coitada.”

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Maria guarda até hoje, dentro de uma capa de plástico transparente, a entrevista que a mãe, Úrsula Machado, deu à jornalista Gina de Freitas, publicada no livro “A força ignorada das companheiras”. Antes de lê-la, nunca soube o que realmente se passara dentro da prisão; faltou-lhe sempre a coragem para perguntar. As ameaças, os espancamentos e a tortura de sono, que chegou a prolongar-se por 12 dias e 12 noites, deixaram Úrsula muito debilitada, mesmo depois de voltar para casa.

“Nessa altura estive tão doente! Dei dois golpes aqui no pulso — vê as marcas? —, a ponto de ter sido internada no Hospital Miguel Bombarda. Conseguiram que eu ficasse transtornada da cabeça. Estava completamente maluca. Dizia que tinha as minhas filhas mortas, pus-me de luto pelo meu marido porque pensava que ele tinha morrido, que tinham dado um tiro na minha Zezinha à porta da cadeia, eu sei lá! Nem queria ir às visitas porque já não tinha ninguém. Fiz greve de fome durante quatro dias. Atirava fora toda a comida que me levavam. Tenho sempre dores de cabeça, ando nervosa… Enfim, sinto que a minha saúde está arruinada.”

Úrsula Machado no livro “A força ignorada das companheiras” de Gina de Freitas

O relato de Úrsula não é único. Em Maio de 1961, 13 mulheres presas em Caxias conseguiram passar cartas escritas em papel de mortalha para fora da prisão. Eram dirigidas às organizações democráticas e feministas internacionais para expor a existência de presos políticos em Portugal, apelar à solidariedade internacional e relatar a violência de que eram vítimas.

A estes testemunhos, juntaram-se os de outras mulheres que também passaram pelas prisões durante a ditadura. No decorrer dos interrogatórios, era frequente serem espancadas — há até relatos da utilização de chicote —, obrigadas a despirem-se, insultadas, humilhadas. Eram mantidas dias a fio em isolamento; viam familiares e amigos serem ameaçados. “Castigos”, recorda Aida Magro no livro “Mulheres portuguesas na resistência”, “eram aos montes”. Às vezes, proibiam-nas de se lavarem, de trocarem de roupa e, em interrogatórios, chegaram a impedi-las de ir à casa de banho — tudo para que falassem.

Maria da Conceição Matos
“O meu estado de tensão era tal que, à mistura com aquilo tudo, fartei-me de vomitar. Foram-me despindo aos poucos e tentaram obrigar-me a limpar a porcaria com a minha roupa. Opus-me terminantemente e tiveram eles que ensopar os excrementos e a urina na minha roupa. O Tinoco provocava-me da forma mais soez, ofendendo-me na minha dignidade de mulher.

“Mulheres portuguesas na resistência”, Rose Nery Nobre de Melo

Maria Alice Dinis Parente Capela
“Estive cinco dias e cinco noites na tortura do sono. Não me podia sentar, nem deitar, tinha alucinações, via uma carantonha a sair da parede e depois via o meu bebé e estava a embalá-lo. Desatei aos gritos e eles enfiaram-me uma toalha molhada na cabeça. Eu gritava ‘assassinos, assassinos’ e eles esbofeteavam-me, davam-me murros, atiravam-me contra a parede, insultavam-me, ‘puta, cabra’.”

Até Amanhã Mãe, revista Delas

Aida da Conceição Paula
“Depois de 18 dias de isolamento, dei entrada na PIDE às 9 da manhã. Começaram logo os interrogatórios, acompanhados da célebre tortura do sono, que se prolongaram por quatro dias e quatro noites. Porque estava a ser sujeita a um tratamento neurológico quando fui presa, a tortura do sono exerceu em mim um efeito terrível. Cheguei a ingerir, por receita médica, dezanove comprimidos por dia, mas ninguém foi capaz de me pôr a dormir uma noite inteira.”

“Mulheres portuguesas na resistência”, Rose Nery Nobre de Melo

Aida de Freitas Loureiro Magro
“Um dia, no reduto Norte do Forte de Caxias, Georgete Ferreira e Maria Ângela, para que não me sentisse tão só, cantaram canções revolucionárias. Era proibido cantar! (…) Cada uma das camaradas foi castigada com um mês de cela disciplinar. Sem visitas, sem lanche, sem jornais, sem nada! (…) Era prisão em cima de prisão.”

“Mulheres portuguesas na resistência”, Rose Nery Nobre de Melo

Maria Albertina Ferreira Diogo
“No quinto dia de tortura, não sei se de dia se de noite, (…) incharam-se-me as pernas e os pés o que me obrigou a estar descalça a partir daí. Seguiu-se um mal-estar contínuo, agravado por fortes tonturas que me levaram a vómitos consecutivos. Tentei andar para me distrair, mas fazia isso com grande dificuldade, pois o chão parecia torto. Quando comecei a vomitar, convulsivamente, mandaram vir um colchão que colocaram no chão. Estendi-me um bocado, mas não fui capaz de descansar.”

“Mulheres portuguesas na resistência”, Rose Nery Nobre de Melo

A pressão era muita, mas estas mulheres aguentaram e aguentaram e aguentaram. Sabiam que, fosse qual fosse a circunstância, não deveriam responder às perguntas dos inspectores da PIDE ou revelar informação que expusesse a organização clandestina do partido. Na prisão, a recomendação era a mesma para homens e mulheres: ser estoico. A traição era imperdoável, mesmo que tivessem falado sob tortura. Pior do que o medo das agressões, era o medo de falar.

“Se fores preso, camarada…”, começa a célebre brochura distribuída pelo Partido Comunista, pela primeira vez em 1947, que descrevia, ao longo de 32 páginas, o comportamento que deveriam ter aqueles que eram detidos, o que deveriam esperar, como deveriam enfrentar o isolamento, a tortura, as alucinações.

Na clandestinidade, as notícias que chegavam da prisão eram poucas e espaçadas — o contacto directo com familiares era proibido. Úrsula saiu da prisão de Caxias a 20 de Novembro de 1972, quatro anos e três meses após ter sido detida. Maria só se voltaria a encontrar com a mãe depois do 25 de Abril.

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Uma semana antes, o Raimundo veio de uma reunião, e nessa noite ele chega a casa, eu estava já meio ensonada, e ele diz-me assim “Para a semana é que vai ser”. E eu: “Vai ser o quê, não me chateies, deixa-me dormir”. Meu dito, meu feito. Passado uma semana, mais ou menos, ouvi uma grande barulheira na escada e quando me levantei para tentar perceber do que é que estavam a falar, cada um meteu-se em sua casa, mas achei um bocado estranho. A Dona Irene está em casa, os outros dois também.

Passados dez minutos, novamente. Todos blablabla, conversa, então levantei-me logo e o que ouvi foi “Dona Irene, não saia de casa, está tudo cercado, há tropa na rua, não deixam entrar nem sair de Lisboa, portanto o melhor é ficar em casa”. Ui, eu fiquei… Fui logo a correr avisar o Raimundo “Olha, passa-se qualquer coisa”.

Claro que a gente não pôde ter grandes expansividades em relação à situação que estava a acontecer porque não sabíamos para que lado é que aquilo ia, é óbvio, não é?

E pronto, foi assim que demos pelo 25 de Abril.

A minha liberdade começou no 1.º de Maio. Porque naquela altura, a PIDE ainda não tinha libertado… os presos ainda não tinham sido libertados das prisões, os presos políticos e os outros, não é? Mas depois começámos a ver membros do PCP a irem aqui e acolá, o Álvaro Cunhal vai chegar dia 30, “Ah pá, e não nos dizem nada?! Nem pensar. Vamos já ter com os meus pais!”

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Maria entrou num táxi com Raimundo e as crianças — José Alexandre, o filho mais novo, tinha nascido um mês antes — e saíram disparados para a casa dos pais de Maria. Tocaram à campainha, bateram à porta, mas não estava ninguém. Talvez já estivessem na manifestação. No rebuliço da Revolução, deixaram o bebé com a vizinha da frente e seguiram para aquela que é considerada, ainda hoje, a maior manifestação popular da história portuguesa.

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A vida não pode ser mudada. A gente não pode mudar o que se passou. Naquela altura a gente achava que era o mais certo, e eu continuo a achar que era o mais certo…

Mas tenho pena de não ter perguntado mais coisas, não é? Sobre a vida delas e sobre a minha própria vida que elas devem conhecer também, que não me lembro de criança. Com os meus pais já foi diferente. Era complicado. A minha mãe, para dar aquela entrevista que ela deu logo de início, foi muito complicado ela falar daquelas coisas. Ela não queria falar. E portanto, uma pessoa retrai-se um bocado. Eu depois soube pela minha irmã mais nova, que os acompanhou, que os ia visitar à cadeia, portanto, uma vez ia a Caxias, outras vezes ia até Peniche, porque o meu pai estava em Peniche e a minha mãe estava em Caxias. Um dia destes fomos ao Parque do Poetas, em Oeiras, e depois fomos a Caxias; e ela dizia: “Olha, era por aqui que eu entrava quando vinha ver a mãe. Era por este portão que entrava.” E quando ia com a minha tia, saíam do comboio e iam a pé até Caxias. Não tinham posses para vir de outra maneira. Quando uma vez foi ver o meu pai, e estavam num café, já tinham chegado tarde para a visita, e estava a falar com a minha tia ou com o meu tio que foi com ela no cafezinho: “E agora onde é que a gente vai ficar?” e não sei quantos. E a senhora pergunta, “mas estão aqui a fazer o quê?”, “viemos visitar o meu pai que está aqui preso.” “Ai, não vão para lado nenhum, ficam na minha casa.”

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Se alguma coisa caracteriza Maria é o sorriso. Quando fala, este cresce, ganha espaço, apodera-se-lhe dos olhos. Mesmo quando recorda os esforços e sustos da clandestinidade — muitos que pouco tiveram de engraçado —, fala como se tivesse a certeza de que quem a ouve vai sorrir e rir com ela. É quase como se estivéssemos, de novo, ao lado da criança que cresceu na clandestinidade, que aprendeu a não dar erros ortográficos com o prelo clandestino, que brincou com a irmã no pequeno quintal que as escondia do mundo. O único momento em que a voz se lhe quebra é quando desenterra aquilo por que os pais e Zezinha passaram. Não teria feito as coisas de outra forma, nem essa possibilidade existiu, mas pesa-lhe não ter estado lá. Não ter estado lá é o fardo maior que carrega da clandestinidade.

Maria Machado Pulquério — que foi Leonor, Maria Helena e Maria, apenas Maria, como tantas mulheres à sua volta —, só voltou a ser Maria Machado Pulquério após o 1.º de Maio de 1974. Casou-se oficialmente, para efeitos legais, a 27 de Novembro do ano seguinte. Um casamento que, de novo, não teve padre, nem familiares, nem boda, nem véu. Raimundo estava no frenesim das reuniões que aconteceram depois das movimentações militares do 25 de Novembro, só teve tempo de sair, assinar os papéis, e voltar. Legitimou a filha, Leonor, até então registada como ilegítima; e José Alexandre que, como Raimundo gosta de dizer, estava “duplamente clandestino”.

Hoje vivem em Odivelas, numa casa onde livros e fotografias trepam por todas as paredes, a menos de 20 minutos a pé da última casa que os viu clandestinos.

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Luísa Tito de Morais

1. Anatomia de um exílio

Luísa Tito de Morais é filha e neta de antifascistas. Cresceu em Lisboa, numa casa onde se respirava política e se desafiavam os costumes da época. Nunca frequentou a Mocidade Portuguesa Feminina — uma organização juvenil, obrigatória entre os sete e os 14 anos, que procurava incutir às jovens portuguesas “a previdência, o trabalho colectivo, o gosto da vida doméstica e o de servir o bem comum” —, nem a disciplina de Religião e Moral, leccionada em todas as escolas, a menos que os encarregados de educação pedissem explicitamente dispensa. Luísa e os quatro irmãos estiveram sempre à margem dos “bons costumes”: “Como o corpo docente era quase todo do regime e havia muito poucas pessoas na nossa condição, fomos muito discriminados logo no liceu.” Apesar de ser olhada de lado pelos colegas, nunca deixou de sentir orgulho — de si e dos valores que a sua família defendia.

O avô, Tito Augusto de Morais, tinha sido um destacado militante do Partido Republicano que no dia 4 de Outubro de 1910, com apenas 30 anos, saiu do Quartel de Marinheiros, em Alcântara, para comandar o primeiro pelotão que fez frente às forças monárquicas na luta pela implementação da República. Desde então, enquanto foi vivo, não havia um 5 de Outubro em que não fosse à janela içar a bandeira de Portugal.

Luísa nasceu 32 anos depois da implantação da I República Portuguesa e 16 anos depois do Golpe de Estado que a derrubou e conduziu António de Oliveira Salazar ao poder, num tempo em que a guerra assombrava a Europa. Para uma criança, nem sempre era fácil perceber o que significava uma república, o fascismo, uma guerra mundial, um campo de concentração. Estava mais preocupada com as pequenas coisas que lhe diziam respeito, como adoçar o leite com rebuçados: “Porque é que não há açúcar?”, perguntava. E o pai, paciente, lá lhe tentava explicar da forma mais simples que conseguia o que é que a guerra tinha a ver com o pequeno-almoço de todas as manhãs. O mundo, explicava-lhe Manuel Tito de Morais, dividia-se entre “bons” e “maus”: as pessoas “boas”, “bonitas até”, queriam igualdade, queriam liberdade; depois, havia os “maus”, “os feios” que, tal como nas histórias infantis, perseguiam os bons de uma forma cruel, implacável. E se é verdade que, quando crescemos, temos tendência a perceber que o mundo não se divide entre os bons e os maus, também sabemos que, por vezes, simplificá-lo serve para o conseguirmos arrumar em gavetas, tornando-o mais suportável.

Luísa Tito de Morais: São imagens muito simples, mas que me marcaram.

Rafaela Cortez: Os homens da PIDE eram os feios?

Luísa Tito de Morais: Eram os feios e maus.

Luísa tinha apenas quatro anos quando o pai, que pertencia à Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática (MUD), uma organização política de oposição à ditadura, foi detido pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). Em 1948, depois de mais uma detenção, Manuel Tito de Morais — que viria a ser um dos fundadores do Partido Socialista e presidente da Assembleia da República entre 1983 e 1984 — foi vendo, uma a uma, todas as portas fecharem-se. Foi forçado a sair do Instituto Pasteur, um centro de investigação de ciências biomédicas onde dirigia o departamento de electromedicina, e, em 1951, mudou-se para Angola. O regime salazarista deixou Luísa sem pai durante anos: “Porque é que me tiraram o pai?”, perguntava.

Dele, Luísa herdou também a veia revolucionária: com 15 anos, ​​envolveu-se nas campanhas dos opositores ao regime salazarista, fundou com colegas a Comissão Pró-Associação dos Liceus e começou a ler o “Avante!”, jornal do Partido Comunista Português (PCP), e livros comoA mãe” de Máximo Gorki ou “Dez dias que abalaram o mundo” de John Reed. Não tardou para que ela própria se tornasse militante do PCP.

Um dia, cruzou-se com Manuel Tito de Morais numa manifestação no Rossio — ela, orgulhosa, a mostrar que era feita da mesma fibra, que não tinha medo de nada; ele, apreensivo, preocupado, ciente do que a polícia era capaz de fazer. Com a mesma idade, também o pai se tinha estreado nas greves estudantis, onde levou uma “’changalhada’ de um soldado de cavalaria da Guarda Nacional Republicana que invadiu o Liceu Camões” — a primeira bofetada do regime. “Ó filha, não nos podemos queimar todos ao mesmo tempo”, alertava-a o pai. Luísa lembra-se dessa frase como se tivesse sido dita ontem.

As preocupações não eram infundadas. Quando completou os exames do 3.º ciclo, Luísa viajou de comboio para Paris, de onde planeava seguir para o Festival da Juventude e dos Estudantes em Moscovo, na então União Soviética. No entanto, nunca conseguiu chegar ao destino.

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Cheguei a Paris e o que estava combinado era ir à embaixada da URSS em Paris. Fui lá e tinha realmente lá o meu nome para eles me darem o visto, mas disseram que não valia a pena ir porque já tinha começado e que não entrava. Isso já tinha acontecido com duas outras pessoas que também foram mais tarde.

E eu fiquei muito triste, porque era uma coisa que eu gostava de ir, mas o que é que eu resolvi? Resolvi ficar em Paris à espera que viesse a delegação e depois vínhamos para Portugal. Nessa altura chegaram e houve um rapaz que foi preso na fronteira e que tinha — uma coisa incrível, mas tinha — a lista da delegação. Eu ainda estava em Paris quando me disseram “Olha, a PIDE tem a lista da delegação e está lá o teu nome”. Seria presa na fronteira, com certeza, e então resolvi ficar. Combinei com os meus pais e fiquei a dar um tempo, um ano ou seis meses, arranjava trabalho, fazia qualquer coisa.

Ah, e mais, houve um advogado conhecido da família que teve indicação que o meu nome estava em todas as fronteiras: aéreas, marítimas e junto à Espanha. Estava em todas as fronteiras. Portanto, seria mesmo presa [se voltasse].

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Quando fez a mala e se despediu da mãe, Maria da Conceição Mealha, planeava voltar poucos dias depois — não lhe passava pela cabeça que teria de ficar tantos anos longe de Portugal. Mas os tempos não estavam para grandes planos, sobretudo para os que se opunham ao regime.

A história de Luísa leva-nos para o exílio — primeiro Paris, em França, depois Praga, na então Checoslováquia, e por fim Argel, na Argélia. Não se sabe exactamente quantas pessoas a ditadura expatriou — talvez nunca se venha a saber. Estudantes, como Luísa, e professores; artistas e militantes políticos — dos movimentos revolucionários e de acção armada da esquerda aos católicos progressistas; enfermeiros, médicos e desertores da Guerra Colonial. Atravessaram fronteiras clandestinamente, com documentos falsos ou sem documentos de todo, e fugiram de qualquer maneira: a salto, de comboio, a pé, de carro com outros camaradas, e até a nado. Os mais sortudos contavam com alguns dias para planear a viagem, arranjar contactos, despedir-se da família. Os outros, tal era a urgência, partiam repentinamente, sem avisar. Em comum partilhavam uma ida sem data de regresso. 

Retida em Paris e com pouco dinheiro, Luísa ocupou-se a tomar conta de bebés e crianças para fazer face às despesas. Dormia num chambre de bonne (como se chamava ao antigo “quarto das criadas”, que ficava no topo dos edifícios) e quando conseguia comer alguma coisa ficava-se pelo pain d’épices (um bolo aromatizado com canela, anis e cravo que hoje, diz, “mal pode ver à frente”). Enquanto aguardava novidades, organizava-se como podia.

Na década de 1960 passou a ser, oficialmente, funcionária do PCP e a ganhar um salário fixo, ainda que baixo. Matriculou-se em Sociologia na Universidade de Sorbonne, mas diz ter aproveitado mais do alojamento e da cantina do que propriamente das aulas. Mudou-se para Notre Dame — conhecido como o bairro dos artistas de Paris — onde se envolveu em reuniões com estudantes, intelectuais e operários portugueses e organizou a Conferência dos Países da Europa Ocidental para a Amnistia aos Presos e Exilados Políticos Portugueses.

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“Eu gostava muito do trabalho com os operários. Eram pessoas muito sofridas que, em alguns casos, tinham tido boas profissões em Portugal, mas acabaram na construção civil ou a trabalhar em fábricas de automóveis. Viviam em más condições, nos bairros de lata de Paris — só mais tarde é que o Governo francês mandou construir, nos arredores da capital, aqueles prédios enormes, todos iguais, para acabar com as barracas. Eram pessoas com histórias de vida muito interessantes, a quem sabia bem apoiar e com quem era bom conversar.”

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Foi também em Paris que voltou a encontrar-se com Pedro Ramos de Almeida, o homem com quem viveria durante cerca de uma década. Tinham-se conhecido uns anos antes em Portugal, no Dia do Estudante, no Instituto Superior Técnico — Luísa estava no liceu e Pedro na Universidade de Direito de Lisboa: “Apresentaram-nos, falámos um bocadinho, e depois ele fez um discurso tão bom que fiquei logo encantada.” 

Luísa e Pedro nunca chegaram a criar raízes em Paris. Tinham casado há menos de dois anos quando, em 1963, a pedido do PCP, se mudaram para Praga, onde nasceria o filho de ambos, Nuno.

Isolada do resto da família e com Pedro muito envolvido no trabalho político, Luísa viveu quase exclusivamente para ser mãe no primeiro ano de vida de Nuno. Viu-se confinada à casa e afastada do trabalho de consciencialização política que tanto tinha gostado de fazer nos tempos de solteira em Paris: “Deixei de ser activista para passar a ser a mulher do activista. Embora fosse a mesma pessoa e tivesse as mesmas capacidades, acabei por ficar em segundo plano.” Apesar de radiante com o nascimento de Nuno, a experiência do exílio começava a pesar-lhe: “Só pensava na minha mãe — ‘porque é que a minha mãe não está aqui comigo?’ — porque, se eu estivesse em Portugal, teria todo o apoio familiar, seria muito diferente.”  

Ainda nem dois anos tinham passado da chegada a Praga quando, em 1964, se viu de novo com a mala às costas. Desta vez o destino era a costa norte africana — Pedro havia sido destacado como representante do Partido Comunista da Frente Patriótica de Libertação Nacional na Argélia e a família tinha de seguir-lhe os passos. Em Argel, Luísa trabalhou como locutora da Rádio Voz da Liberdade, uma emissora em português operada a partir da capital. Durante cinco anos, três vezes por semana, fez as honras da estação: “Fala a Voz da Liberdade, emissora da Frente Patriótica de Libertação Nacional.” Voltou para Portugal em 1970, mas a sua voz continuou a ecoar, por muito mais tempo, na abertura de cada emissão.

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“Nessa altura era um jovem desertor da Guerra Colonial que fazia a voz masculina, o José Pimenta, e eu fazia a voz feminina. Os textos eram feitos por várias pessoas, sobretudo os responsáveis dos movimentos. Um ano depois de eu lá estar, chegou o Manuel Alegre [poeta que viria a ser deputado do Partido Socialista e vice-presidente da Assembleia da República] e passou a ser a voz masculina. Eu e o Alegre às vezes dizíamos: ‘Olha, um dia que voltemos a Portugal, pelo menos isto sabemos fazer.’”

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De todos os sítios onde durante nove anos viveu exilada, Argel foi talvez aquele onde esteve mais perto de se sentir em casa. Aí, reencontrou-se também com o pai que, desde os nove anos, poucas vezes voltara a ver. Manuel Tito de Morais conheceu pela primeira vez o neto, e Luísa teve oportunidade de descobrir o próprio pai.

Dividia os dias entre o trabalho na rádio, as idas à praia e os jantares e convívios entre amigos. Tinha uma vida preenchida, estimulante, desafogada, mas não seria assim por muito tempo. Em 1970, chegara a hora de fazer novamente as malas, mas, desta vez, para regressar clandestinamente a Portugal.

2. A separação

Poucos livros descreverão melhor aquilo por que passaram os filhos da clandestinidade do que “Crianças emergem da sombra: contos da clandestinidade” de Maria Luísa Costa Dias, médica, activista política e antiga funcionária do PCP. Editado em 1982, conta a história de 11 crianças que, tal como a autora, cresceram escondidas do mundo que as rodeava: de António que perguntava o porquê de não poder falar sobre aquilo que os pais faziam; de Ivone que, com a última edição do “Avante!” debaixo do corpo, se recusou a sair do sofá quando uma vizinha lhe entrou subitamente pela casa adentro; de Madalena que, na primeira vez que andou de táxi com o pai, não pôde falar com o motorista porque poderia ser um dos “homens maus”, “zangados”, que não gostavam de meninos que faziam barulho dentro dos carros. 

À sucessão natural dos anos somavam-se imposições:

Não vás brincar para a rua. Não espreites pela cortina. Não fales do que os pais fazem. Não faças barulho. Não ponhas os papéis nos bolsos. Não fales disso lá fora. Não abras a porta a ninguém. Não digas que os pais estão em casa. Não uses o autoclismo. Não toques nestes papéis. Não contes nada do que se passa em casa. Não fales da tua irmã. Não fales do teu irmão. 

Não…

Não…

Chiu…u…u!

Durante anos, os filhos da clandestinidade raramente saíram à rua, foram à creche, puderam brincar com outras crianças… Exploravam o mundo através de janelas, pelos relatos da rádio ou, no caso de Nuno, pelos buracos entre as grades da varanda, uma espécie de corredor que o ligava à vida lá fora. Era dentro de quatro paredes que se inventavam e multiplicavam brincadeiras: xadrez, escondidas, livros, trapos que se transformavam em bonecas e bolas de futebol. Sendo impossível replicar todos os estímulos do exterior, tentavam-se preencher os tempos livres, numa tentativa de simular uma infância o mais normal possível.

“Da janela, procuravam ligar a criança ao mundo circundante, aos seres que passavam, homens ou animais, ligando o rádio procuravam programas onde surgissem vozes de crianças; nos jornais, em estampas de revistas ou até do papel colorido da farmácia buscavam tudo o que pudesse ilustrar a natureza viva. E assim nasceu a primeira palavra do menino: ‘nené’. Disse-a antes de pronunciar pai ou mãe, mas foi uma palavra mágica, mil vezes mais agradável de ouvir, porque mostrava que o menino compreendia que além dos três havia outros meninos, outros ‘nenés’.”

“Crianças emergem da sombra: contos da clandestinidade” de Maria Luísa Costa Dias

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“Tínhamos muita atenção em brincar, dar livros, fazer jogos, ocupar tempo com ele. (…) O miúdo tinha de fazer qualquer coisa para se divertir. O pai jogava futebol com ele, no corredor, com uma bolinha de trapos para não fazer barulho. Um camarada chegou a oferecer-nos uma televisão antiga, mas ficámos muito malvistos por aceitá-la: um partido que vem da classe operária acha burguesices coisas que não eram burguesices. Era indispensável para o miúdo fazer qualquer coisa mais do que estar metido entre quatro paredes, não é?”

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De todos os sacrifícios e restrições a que a clandestinidade obrigava, poucos foram tão aflitivos como a logística de ter de lidar com uma vida reclusa com filhos. Até terem seis, sete anos, as crianças eram uma distracção bem-vinda que até ajudava ao disfarce — quem desconfiaria de um casal com um filho recém-nascido? Mas, à medida que cresciam, tudo se complicava. A cada movimento, aumentavam as hipóteses de um encontro arriscado; a cada nova palavra, o perigo de poderem contar na rua o que se passava dentro de casa. A entrada para a escola trazia desafios adicionais: não podiam dizer os verdadeiros nomes dos pais ou entregar certidões de nascimento. Impunha-se, quase sempre, a separação da família.

Margarida Tengarrinha, 13 anos na clandestinidade
“Ainda hoje me é doloroso recordar o momento da separação, quando a Teresinha, com cinco anos e meio, foi entregue por nós à minha cunhada Maria Sofia. (…) Já no carro, ao colo da tia, a nossa filha virou-se para nós e, embora sabendo que não íamos com ela, perguntou-nos: “Vocês não vêm comigo?” Tapou a cara com as mãos e partiram.

“Memórias de uma falsificadora: a luta na clandestinidade pela liberdade em Portugal”, Margarida Tengarrinha

Teodósia Gregório, 16 anos na clandestinidade
“Deixei-o com quatro anos e pouco e só o encontrei tinha 11 anos. Custou e custou bem. (…) Era ouvir os gaiatos a chorar na rua e começar também a… mas enfim, já passou. Foi muito custoso ficar sem o meu filho, mas estava um bocadinho descansada porque sabia que os meus pais o tratavam bem.”

“Vidas na clandestinidade”, Cristina Nogueira

Maria Lourenço Cabecinha, 16 anos na clandestinidade
“Foi das piores coisas… Tenho dito sempre que me custou mais que a prisão, mais que a clandestinidade, mais que tudo.”

“Mulheres da clandestinidade”, Vanessa de Almeida

Jaime Serra, 22 anos de clandestinidade

“Para a comum das pessoas éramos um ‘casal sem filhos’, situação que se tornava duplamente dolorosa quando alguém fazia alusão ao facto — o ter de se dizer que não se tem filhos, quando se tem nada menos que quatro.”

“Eles têm o direito de saber… o que custou a liberdade”, Jaime Serra

Quando as crianças chegavam à idade de ir à escola, das duas uma: ou eram entregues a um familiar, ou iam para a Escola-Internato Internatzionalny Dom, também conhecida por Interdom, a 300 quilómetros de Moscovo, na União Soviética. A instituição fora criada três décadas antes para receber os filhos dos revolucionários da Guerra Civil espanhola e, nas décadas seguintes, passou a ser a casa dos milhares de filhos de revolucionários e apoiantes do Partido Comunista de diversos países que chegavam de todo o mundo. Luísa, que não gostava de nenhuma das opções, decidiu-se por uma terceira.

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“A terceira era eu sair com ele [o filho, Nuno]. Ao colégio disse logo que não — acho uma coisa horrível a ideia de um colégio interno. O meu filho não tinha culpa de ter nascido. Apesar das limitações, como criança, tínhamos de lhe dar a maior estabilidade possível para que fosse feliz, tentar não o prejudicar. Se ele alguma vez tivesse vivido com familiares, poderia ficar com eles, mas viveu no exílio — tinha visto a minha mãe duas ou três vezes, a mãe do Pedro uma vez só, eram todos estranhos. Decidi que ia com ele e pronto. Disse ao Pedro que nos veríamos quando pudéssemos. E, quando não pudéssemos, não nos víamos, acabou. O Pedro pôs a resolução do problema muito em cima de mim porque, no fundo, não era ele quem tinha de decidir se queria sair ou não.”

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Foi assim que Luísa pôs fim a quase dois anos de clandestinidade em Portugal. Através do pai, que tinha contactos no consulado de Itália, viajou até Roma, onde conseguiu um passaporte temporário. Voltou a entrar em Lisboa, desta vez de forma legal. Conversou com Nuno, que tinha sete anos na altura, sobre a probabilidade de poderem ser detidos mal os pés tocassem o chão do então Aeroporto da Portela. Tinha tudo estudado: se fosse presa, seria levada para a prisão de Caxias com o filho, e a mãe passaria a buscá-lo. Felizmente, nunca aconteceu. Luísa não sabe ainda hoje explicar como escapou à prisão: “Já estava Marcelo Caetano no poder, já não era Salazar. Não sei se isso teve alguma influência… Acho que eles também nunca souberam que eu e o Pedro éramos funcionários clandestinos.” Mesmo assim, Luísa e Nuno tiveram a PIDE à perna durante quase um ano.

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“Tive um PIDE à porta, sempre a ver o que eu fazia, onde ia. Era tal e qual como nos livros, como nos filmes policiais — ele tinha uma gabardina e óculos escuros. Não enganava ninguém: nós saíamos de casa e dizíamos ‘lá está ele’.”

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Passar a infância na instabilidade, a ter de enfrentar as imposições da vida clandestina, deixou marcas profundas nestas crianças. Tão profundas que perduram até hoje: o medo e a ansiedade que se cravaram no corpo, os laços familiares nunca restituídos, são cicatrizes que nenhuma celebração de Abril será capaz de apagar.

“O estado de sensibilidade do menino, até então manifestado num constante e aberto sorriso, dava agora lugar a um ricto de ansiedade de quem implora auxílio. Perante os adultos tinha manifestações de autêntico pânico. Sem poder ainda diferenciar aqueles variados personagens que irrompiam na sua vida bruscamente e sem chegar a ter tempo de se lhes habituar, o menino tornou-se medroso, inquieto, desconfiado, fugindo de tudo e de todos, chorando violentamente quando alguém se aproximava dele, quando uma voz subia de tom, quando a campainha da porta tocava.”

“Crianças emergem da sombra: contos da clandestinidade” de Maria Luísa Costa Dias

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“Eu só tive um filho e tenho pena, a vida foi um bocado complicada para ter muitos, mas é uma coisa lindíssima. Não estou nada arrependida de ter feito isso e de ter tido menos actividade política. Nunca me arrependi. Foi uma escolha que me saiu cara, porque eu tinha uma boa relação com o meu marido, gostava muito dele. Acho que foi a pessoa de quem mais gostei, apesar de ter casado outra vez e dessa relação ter sido boa. Mas não podia ter feito nada de outra maneira. O meu filho é hoje um homem saudável, muito graças a não ter tornado a vida dele ainda mais difícil do que foi nos primeiros anos. A separação era um bocado inevitável, estando cada um a viver para o seu lado; por acaso, foi o Pedro que se apaixonou por uma pessoa, mas podia ter sido eu. Nós vimo-nos poucas vezes, e quando nos víamos era mais para o miúdo ter contacto com o pai. A vida vai sempre ter muitos obstáculos, mas se hoje me perguntarem o que é que eu quero para o meu filho, a resposta é ‘quero que ele seja feliz’.”

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3. O lugar da mulher

Cândida Ventura, que também foi Joana, Rosa e André, foi a primeira mulher a conquistar um lugar no Comité Central do Partido Comunista Português e a conseguir transpor as paredes que escondiam quase todas as funcionárias do partido. Nasceu em 1918 na antiga cidade de Lourenço Marques, hoje Maputo, capital de Moçambique, mas passou grande parte da infância nas Caldas de Monchique, no Algarve. O pai trabalhava na administração das termas de Monchique e incutiu-lhe o amor pela natureza, pelo diálogo, pelo respeito pelos outros: “Não compreendia que a vida pudesse ser mais do que, por um lado, a procura de conhecimento e, por outro, a sensação de que éramos responsáveis pela realização da justiça e da liberdade entre os homens”, escreveu na autobiografia “O ‘Socialismo’ que eu vivi”, publicada em 1984. Interessava-se por História, Filosofia e Ciências da Natureza, disciplina que acabaria por estudar mais tarde na universidade. 

Sempre leu muito. Procurava a verdade na literatura, nas peças de teatro, e seguia atentamente tudo o que se passava no mundo. Ao contrário de Luísa Tito de Morais, que era demasiado jovem para conseguir processar os movimentos políticos da altura, Cândida acompanhou de perto a sequência de eventos que levaram à II Guerra Mundial: o crescimento do fascismo na Europa, o fogo que fez arder milhares de livros por toda a Alemanha, e Dimitrov, o dirigente da Internacional Comunista que foi levado a julgamento, acusado de pegar fogo ao Reichstag, o Parlamento alemão.

Cândida leu, de uma ponta à outra, a defesa de Dimitrov, assumida pelo próprio. Queria juntar-se aos ventos da luta contra o fascismo que sopravam pelo mundo, ficar de fora não era opção. Terminou o curso de Ciências Histórico-Filosóficas em 1943 e, em Agosto do mesmo ano, envolveu-se na organização das greves dos operários sapateiros de S. João da Madeira, onde mais de 2000 pessoas se bateram por melhores salários. Depois disso, mergulhou na clandestinidade: “contra o fascismo, pela liberdade”.

Não demorou muito para que Cândida se apercebesse do isolamento a que as mulheres estavam sujeitas, já para não falar da distribuição desigual de tarefas, dos elevados níveis de analfabetismo e da falta de apoio dos homens com quem viviam. Em 1946, propôs a criação do boletim “3 Páginas”, uma tentativa de combater a desigualdade entre géneros e elevar o nível político das funcionárias do PCP: “Propus ao Secretariado que se fizesse um jornal para elas, que passassem a assistir a parte das reuniões que se realizavam nas casas ilegais, e que os funcionários em cujas casas se encontrassem amigas que mal sabiam ler as ajudassem a vencer esse atraso. O Secretariado concordou e, a partir dessa data, comecei a fazer um jornal, ‘3 Páginas’, para as camaradas das casas do Partido”, conta também no livro “O ‘Socialismo’ que eu vivi”.
Os funcionários do partido foram incentivados a ajudá-las na leitura do “3 Páginas” e na escrita de cartas à redacção. No total, foram publicados 68 números durante os dez anos em que o boletim existiu. Pouco depois, Margarida Tengarrinha, militante do PCP e falsificadora de documentos durante a ditadura, seguiu as pegadas deste legado e criou o panfleto “A Voz das Camaradas”, com uma nova imagem gráfica, editado até 1970.

Não foi a primeira vez, nem tão pouco a última, que o Partido Comunista Português se debruçaria sobre a desigualdade de género nas suas fileiras. A questão foi discutida no I Congresso, ilegal, em 1943, e também no II, em 1946, onde se constatou que “a organização das mulheres” estava ainda em “estado embrionário”, muito graças aos “preconceitos burgueses de superioridade do sexo forte que penetram nas próprias classes trabalhadoras e nas próprias fileiras do partido”. Por essa altura, também Álvaro Cunhal, célebre dirigente comunista, fez uma extensa reflexão sobre o assunto: “É duro dizer-se que esta concepção existe na cabeça dos comunistas. (…) Pesa sobre o nosso povo uma tradição e educação tendentes a afastar a mulher da vida social e política, a condená-la aos tachos, aos filhos e à Igreja. Toda a vida na sociedade presente está organizada de forma a fazer da mulher uma escrava. Daí o pesarem ainda essa educação e essa tradição nas nossas próprias fileiras, nos nossos próprios camaradas.”

Ainda em 1946, num artigo de opinião publicado no “3 Páginas”, uma mulher sob o pseudónimo de Rosária escreve pouco optimista: “É necessário estar-se vigilante contra a reacção de alguns camaradas que não ligavam importância ao papel que a mulher tem e pode desempenhar em todas as revoluções ao lado do homem.” O passar dos anos confirmou que as preocupações de Rosária não eram infundadas. No V Congresso do partido, em 1957, voltou a falar-se do número reduzido de militantes femininas; e, em Setembro de 1960, a direcção do partido enviou um questionário dirigido especificamente às “camaradas na clandestinidade”:

“Camarada: o teu trabalho e a tua dedicação têm permitido o funcionamento e a defesa da casa do P em que te encontras. (…) Verificámos, entretanto, graves deficiências no que respeita tanto à ajuda que te é prestada (para o teu desenvolvimento político e cultural), como à contribuição que podes dar ao trabalho do P em geral, e ao trabalho do funcionário do P com quem vives, em particular. Por verificarmos essas deficiências e por desejarmos rectificá-las, pedimos que nos responda às perguntas seguintes:

Quais são as tuas tarefas presentes? Tens alguma tarefa além do trabalho doméstico na casa onde vives?

Estás satisfeita com a tarefa que desempenhas?

Que auxílio político tens recebido? O camarada que vive contigo e aqueles que vão a essa casa conversam contigo acerca da situação política e da actividade do Partido?

Gostas de ler e estudar? Tens elementos de estudo? Em que pode a Direcção do Partido ajudar-te a esse respeito?

Há algum aspecto da tua situação, da tua vida, do teu trabalho, em que o Sec do CC te possa ajudar?

Em várias respostas, verifica-se que o trabalho era, sobretudo, doméstico ou de defesa da casa. E que era pouco o apoio à educação política e à participação activa das mulheres na organização do partido.

Se é verdade que o papel das mulheres dentro do PCP foi uma preocupação constante no Comité Central desde os anos 1940, também o é que a repetição do discurso revelou sempre um fosso entre a teoria e a prática. Ainda que, ao longo dos anos, as mulheres tenham conquistado espaço e passado a marcar presença nas reuniões do Partido Comunista, a disparidade entre géneros manteve-se presente nas suas fileiras.

Luísa Tito de Morais, na clandestinidade entre 1968 e 1970, sentiu-o na pele. Ocupou-se da defesa da casa e dos trabalhos domésticos, enquanto o marido fazia parte do Comité Central do Partido Comunista. A ela, cabia apontar as matrículas dos carros que paravam na rua, fazer conversa com os vizinhos, garantir a segurança da casa; apagar caras, nomes, moradas de casas anteriores. Esquecer tudo o que ficara no passado, como se isso fosse possível. Quanto menos mostrasse saber, mais protegida estava.

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“Desde os 18 anos que o Pedro tinha cabelos brancos. Era de família. Na clandestinidade, pintou o cabelo, pôs bigode — nunca tinha tido bigode na vida. Era eu que lhe pintava o cabelo com uma tinta horrível que comprávamos na drogaria. Uma vez, acho porque chovia muito, a tinta começou a sair. Não sei se é verdade ou não, mas a Helena Pato [professora de Matemática e uma das fundadoras do Movimento Democrático de Mulheres] conta isso no livro dela [“A noite mais longa de todas as noites”]. Era eu que fazia tudo: cortava cabelo, pintava… fiquei especialista em trabalho de cabeleireiro.”

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Para Luísa, foi muito mais fácil disfarçar-se: bastou arranjar uns óculos sem graduação; de resto, manteve-se como era dantes. Afinal, conta, “ele é que tinha uma vida lá fora”.

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“Penso que sou um grãozinho numa engrenagem, a minha vida foi uma coisa muito pequena. Há casos de vidas extraordinárias, que respeito e admiro imenso, mas ao mesmo tempo tudo o que fiz foi com muito empenho e a querer um mundo melhor. É um chavão, mas é assim. Nesse aspecto, sinto-me feliz pela vida que levei. Dentro do meu percurso político, acho que podia ter dado mais e ter feito melhor se não houvesse aquelas limitações. Há uma certa inferiorização da mulher, mesmo que digam que não; e há características da nossa vida, nomeadamente da vida clandestina, que obrigam também a isso. Havia uma repartição de tarefas que fazia com que levássemos uma vida mais idiota. Acabou por ser um papel secundário. Não é que quisesse ser prima donna, mas acho que tinha capacidade para ter dado mais.

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As mulheres que aceitaram viver na clandestinidade não sabiam como e quando poderiam regressar às suas antigas vidas. Para umas, foi um compromisso de anos; para outras, um compromisso perpétuo. Atrás das janelas, das cortinas, das paredes, das grades da prisão — e também, ainda que em menor número, na rua — as mulheres protegeram as casas clandestinas onde viviam, fizeram a gestão doméstica, asseguraram a impressão de jornais e panfletos “subversivos” e falsificaram bilhetes de identidade, cartas de condução, passaportes.

Ainda que algumas, como Luísa, possam sentir que não lhes foram abertas as mesmas oportunidades e que podiam ter dado muito mais, sem o  trabalho de defesa do lar, a máquina clandestina que ajudou a pôr fim à ditadura teria sido rapidamente desmantelada. O “grãozinho na engrenagem”, como descreveu Luísa, foi o que tornou possível dar continuidade à luta; foi o que tornou possível a dezenas de militares subirem tanques de guerra acima e no dia 25 de Abril de 1974 tomarem de assalto o Quartel do Carmo, em Lisboa.

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Eu tinha casado pela segunda vez no dia 30 de Março, uns dias antes do 25 de Abril. Estava com o meu marido e com o Nuno e ligou-me a directora da escola do Nuno às seis da manhã a dizer-me “o que é que acha que eu faça, estou a ouvir isto na rádio, não sei se hei-de dizer às crianças para irem para a escola ou se comece a fazer telefonemas para não irem porque eles estão a dizer para não sair de casa.” E eu disse “Olha, Adriana, acho que é mesmo melhor dizer para não sair e vamos ver o que é que isto é, se é direita, se é de esquerda”. 

Fui logo pôr o Rádio Clube que era onde ela disse que tinha… Ela levantava-se muito cedo porque abria a escola muito cedo, foi ela que me avisou. Eu fui à cama e disse para ele “parece que há uma revolução.” “Que horas são?” Eu disse “São seis e não sei quê”, “Ah, a esta hora não há revoluções” e continuou a dormir. Depois, eu comecei a ouvir o tipo de música… houve muita gente que teve muita dificuldade em perceber se seria de esquerda ou de direita, por causa do Kaúlza [de Arriaga] que também queria fazer um golpe de Estado. Mas eu não sei se era a minha grande vontade de que não fosse, e o tipo de música que passavam, eu não tive a mais pequena dúvida. Quase não duvidei nada. Quando falei com a Adriana ainda disse “bom, temos de ver o que é”, mas depois comecei a ouvir a rádio e achei que tinha que ser de esquerda e fui para a rua.

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A mobilização popular que começou com o 25 de Abril alavancou uma onda de greves e reivindicações, as empresas foram ocupadas pelos trabalhadores, parte da economia foi nacionalizada, criaram-se sindicatos e planeou-se a reforma agrária. No rebuliço da Revolução, Luísa vivia na rua, entre manifestações e reuniões com pessoas que acreditavam ser possível construir um Portugal mais livre: “Foram uns dias fantásticos”, recorda.

O ano de 1974 trouxe-lhe também a família de volta: a irmã mais nova, Teresa, exilada na Suíça desde 1965, após passar três meses na prisão de Caxias; e também o irmão, João, que se refugiou em França, na Alemanha e no Brasil, para não ter de combater na Guerra Colonial. Devolveu-lhe ainda o pai, que voltou a Portugal no dia 28 de Abril, no chamado “Comboio da Liberdade”, onde também vieram nomes históricos do Partido Socialista como Mário Soares, Maria Barroso e Francisco Ramos da Costa. Regressaram também os jantares de domingo, de que o pai de Luísa tanto gostava.

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Quando estava no exílio, nunca adoptei nenhum país como meu; lembrava-me da minha casa, da minha rua, do meu bairro. Já a clandestinidade é como se fosse um período negro que não existiu. E depois, quando vim para a legalidade, para uma vida normal, demorei muito tempo para voltar a sentir que Portugal era meu e que Lisboa era minha — estava muito desenraizada. E tem piada porque, quando estava lá fora, pensava que chegava aqui e que o mundo tinha parado, que voltaria a sentir-me em casa. Mas não, não sentia que estava na minha terra. Só com o trabalho, a convivência, e os amigos… Depois do 25 de Abril, todos os que estavam exilados voltaram, e aí foi a festa. Agora Portugal é meu e ninguém mo tira.

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Há uns anos, numa véspera do 25 de Abril, Luísa desenhou um cravo na janela da sala com a mesma tinta que utiliza para fazer pinturas a óleo. Nada de muito extravagante — quem olhar do lado de fora, só com muita dificuldade repara. Foi “uma graça”, uma brincadeira para ser apagada na ronda de limpezas seguinte; mas as netas, que desde muito pequenas celebram Abril, não deixaram que isso acontecesse. Desde essa altura, o pano só tem autorização de passar no lado de fora do vidro — para que o cravo continue garrido, auspicioso. Apesar do isolamento, dos sacrifícios, da instabilidade, Luísa é uma mulher orgulhosa — do cravo que desenhou, mas mais ainda dos cravos que ajudou a erguer e continuam, até hoje, de pé.

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Bastidores

A tarde aproximava-se do fim e os meus pés traçavam os limites do pátio lá de casa, como acontece sempre que falo ao telefone. Não me lembro que dia era, nem sequer do mês… Em 2021, o tempo desincorporou-se de tal forma que me é difícil destrinçá-lo. Recordo-me, no entanto, do momento em que partilhei com Margarida Tengarrinha — militante do Partido Comunista Português (PCP) e falsificadora de documentos durante a ditadura — a ideia de fazer uma reportagem que mapeasse as casas por onde passaram as mulheres que viveram clandestinas em Portugal antes do 25 de Abril. “Uma boa ideia que não acredito ser possível concretizar”, disse-me na altura, mais ou menos por estas palavras.

A dificuldade do trabalho não era uma novidade. Para garantir a sobrevivência da actividade clandestina, o PCP não permitia esse tipo de registos; o que aconteceria se um documento do género caísse nas mãos da Polícia Internacional e de Defesa de Estado (PIDE)? Sem uma lista de nomes e moradas na qual me pudesse basear, a reportagem a que me propunha estava dependente dos testemunhos de quem viveu nessas casas, das memórias que se vão desvanecendo com o passar dos anos e dos arquivos da época. Margarida Tengarrinha conta que ela própria se foi esquecendo de algumas casas e respectivas localizações. Para poder começar, precisava de uma âncora, de informação à qual me pudesse agarrar, mas onde poderia encontrá-la?

1 de Julho de 2021. O dia quente que bafejava lá fora era alheio aos que, como eu, decidiram passar a tarde na sala de leitura do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa. O processo era sempre o mesmo: faziam-se até cinco requisições (constrangimentos da pandemia) e, no dia seguinte, levantavam-se ao balcão, um de cada vez, os documentos pedidos. Há pouco na Torre do Tombo que não salte à vista nas primeiras visitas. As caixas de cartão cheias de folhas que cheiram a tempo, os carrinhos de alumínio carregados de histórias que circulam pelos corredores, a imponência do edifício — a fachada em forma de duas letras T, as paredes grossas de betão branco, as gárgulas que observam os que passam na rua, como se estivessem a proteger o espólio que lá está dentro… 

A Torre do Tombo reúne documentação que remonta à Idade Média e é o arquivo central do Estado português. Guarda, entre outros, os arquivos da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE/DGS) e, por isso, tornou-se como um escritório para mim. Sentada na sala de leitura — grande, silenciosa, com tons de madeira que aquecem quando o sol espreita lá fora — e de costas para o retrato do rei D. Pedro V, consultei vários documentos compilados pela PIDE sobre as mulheres que mergulharam na clandestinidade e as casas onde viveram.

São milhares as páginas onde a Polícia de Estado descreve como estas mulheres “abandonaram” os filhos para se entregarem a “actividades criminosas”, os interrogatórios que documentam detenções e contínuas recusas em responder a perguntas, as cartas escritas à mão, dirigidas ao director da PIDE, a pedirem a “gentileza” de lhes ser concedida uma visita para falarem com a família. São milhares as páginas que documentam pedidos, quase sempre recusados, que testemunham a desumanização prolongada a que mulheres “perigosas” foram submetidas. 

O mapa

Entre estes documentos, fui encontrando menções mais ou menos precisas — ruas, bairros, localidades — às casas por onde passaram. E, dia após dia, vi crescer a lista de Excel que criei no arranque do trabalho. A “ideia difícil, que não seria possível concretizar” estava, depois de meses de investigação, a ganhar forma.

Às moradas referenciadas no arquivo da PIDE/DGS, somei as descritas em entrevistas e livros espalhados por várias outras salas: no vestíbulo da sede nacional do PCP, onde consultei o Arquivo Histórico do Gabinete de Estudos Sociais (GES); no auditório do Museu do Aljube, onde assisti a várias conversas com mulheres que, clandestinamente ou não, fizeram a resistência em Portugal; na sala de estar de Maria Machado Pulquério e Luísa Tito de Morais, que me abriram a porta de casa e deram a chave do baú das memórias; nas lojas de alfarrabistas em Lisboa, onde encontrei livros fora de circulação com testemunhos de mulheres que já não se encontram entre nós; na minha sala, onde livros, posts-its e blocos de notas se multiplicaram numa pequena cómoda que, à falta de espaço, serviu também de escrivaninha. 

O mapa que apresentamos nesta reportagem é o resultado deste processo, uma compilação que, até hoje, não tinha sido feita. Ainda assim, faltam moradas — provavelmente centenas, muitas que se podem ter perdido para sempre; e histórias — não só de funcionárias clandestinas do PCP, mas de todas as mulheres que, às escondidas, também fizeram a Revolução.

Queremos, por isso, que este seja um trabalho em construção e contamos com a tua ajuda: se conheces alguma mulher que passou pela clandestinidade durante a ditadura, ou sabes onde encontrar informação sobre as casas onde viveram, envia um email para info@divergente.pt

Quem contribui para a DIVERGENTE tem acesso à tabela com todos os nomes das mulheres, os anos e as moradas em que viveram clandestinas e o tempo que estiveram presas.

As mulheres

aspas

“Quando leio relatos de vários camaradas que já foram publicados, constato que falam de factos políticos importantes, momentos altos e heróicos da luta, mas nunca abordam estas questões do quotidiano que nós, mulheres, vivemos pacientemente. Será que foi menos heróico aquele nosso dia-a-dia desgastante e obscuro?” Quadros da Memória, Margarida Tengarrinha

moldura

O que se viveu na luta contra a ditadura é mais um espelho da sociedade patriarcal portuguesa. Se é verdade que, aos olhos da lei do Estado Novo, as mulheres eram vistas como inferiores e estavam circunscritas à domesticidade — ao casamento, à educação dos filhos, ao trabalho do lar, é também inegável que a organização clandestina do Partido Comunista Português seguiu lógicas de discriminação semelhantes, dividindo aquelas que eram as tarefas de homens e mulheres e reservando a estas últimas, na maior parte dos casos, o papel da “defesa da casa”. Se eles nos contam a luta que se fez na rua, elas trazem-nos relatos de resistência entre quatro paredes —  da vigilância constante para proteger a família, da forma como geriram a vizinhança, das lides domésticas, do isolamento, de como se viram obrigadas a separarem-se dos filhos. 

O pilar da Revolução fundou-se dentro de casa — sem ele, a liberdade continuaria a ser uma quimera. Esta reportagem é, por isso, também uma luta contra o esquecimento e contra os apagamentos que a narrativa única sobre o 25 de Abril tem promovido, ao longo destas quatro décadas. Nunca um trabalho me ocupou tanto o corpo, a cabeça, o coração. Gostaria que vos acontecesse o mesmo, que se deixassem absorver por estas histórias e as partilhassem. Para que a entrega das mulheres que viveram clandestinas durante a ditadura passe a ser reconhecida. Para que, finalmente, se possam abrir as portas das casas onde viveram e trazer para a rua tudo o que lá se passou dentro.

Rafaela Cortez

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Ficha técnica

Arquitectura de informação

Diogo Cardoso

José Magro

Luciana Maruta

Rafaela Cortez

Produção

Rafaela Cortez

Entrevistas e texto

Rafaela Cortez

Fotografia e som

José Magro

Pesquisa de arquivo

Rafaela Cortez

Organização e revisão de dados

Beatriz Walviesse Dias

Luciana Maruta

Rafaela Cortez

Sofia da Palma Rodrigues

Design e desenvolvimento web

Miguel Feraso Cabral 

Ilustração

Yuran Henrique

Animação de vídeo

Pedro Lopes

Edição e coordenação

Diogo Cardoso

Luciana Maruta

Sofia da Palma Rodrigues

Narração

Luísa Tito de Morais

Maria Machado Pulquério

Revisão de texto 

Alda Rocha

Tradução em inglês

Sandra Young

Revisão de texto em inglês

Felicity Pearce

Comunicação

Raquel Henriques

Bibliografia

Livros, teses e jornais

1.º capítulo

“Cronologia das lutas sociais no Baixo e Alto Ribatejo entre 1943 e 1947”, Partido Comunista Português 

“O sindicalismo português entre 1933 e 1974: orientações políticas e estratégicas do Partido Comunista Português para a luta sindical”, tese de doutoramento, Maria Filomena Rocha Lopes 

”Memórias da resistência rural no Sul — Couço (1958-1962)”, tese de doutoramento, Paula Cristina Antunes Godinho

“Os campos do Baixo Alentejo na década de 1950 revisitados”, Constantino Piçarra, em entrevista ao Diário do Alentejo, 9 de Agosto de 2019

“As lutas de um povo”, documentário RTP, 23 de Maio de 2000

“Praça de jorna”, Soeiro Pereira Gomes

“Minhas senhoras e meus senhores… : vida, fome e morte nos campos de Beja durante o salazarismo”, Paulo Lima e Susana Correia

“100 anos de luta ao serviço do povo e da pátria pela democracia e o socialismo”, Edições Avante!

“A Greve de 1943 no Barreiro: Resistência e usos da memória”, Vanessa de Almeida, em revista online do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior

“Vidas operárias. A reconstituição etnográfica de contextos históricos em processo de (profunda) erosão social”, João Valente Aguiar, em Configurações, 9, 2012

“A fome saiu à rua: as greves de 1943 vividas pelas operárias de Almada”, Sónia Ferreira, em revista da FCSH, 2006

“Mulheres da clandestinidade”, Vanessa de Almeida

“Vidas na clandestinidade”, Cristina Nogueira

“Mulheres contra a ditadura”, Cecília Honório

“Memórias de uma falsificadora: a luta na clandestinidade pela liberdade em Portugal”, Margarida Tengarrinha

“Memórias de um tipógrafo clandestino”, Carlos Pires

“Estórias do tempo de outra senhora: episódio 4 — tipografias clandestinas”, documentário RTP, 10 de Maio de 2016

Panfleto A Voz das Camaradas das casas do partido, n.º 11, Maio/Junho de 1957

“Da clandestinidade para a liberdade: histórias de vida de mulheres comunistas”, dissertação de mestrado, Sara Alexandra Calado Gonzalez

“Organização da clandestinidade política do PCP: da ditadura militar ao 25 de Abril de 1974”, dissertação de mestrado, Márcio José Monteiro Matos

“60 Anos de Luta”, Edições Avante!

“Vozes femininas da clandestinidade comunista: 1940-1974”, dissertação de mestrado, Vanessa Andreia dos Santos de Almeida

“A.R.A: a história secreta do braço armado do PCP”, Raimundo Narciso

“A foto — e o reencontro meio século depois”, Raimundo Narciso

“Quadros da memória”, Margarida Tengarrinha

“Mulheres portuguesas na resistência”, Rose Nery Nobre de Melo

“A força ignorada das companheiras”, Gina de Freitas

“Elas estiveram nas prisões do fascismo”, União de Resistentes Antifascistas Portugueses

“A história da PIDE”, Irene Flunser Pimentel

“Até amanhã mãe”, revista Delas, 1 de Maio de 2016

“Se fores preso, camarada…”, Edições Avante!

“Reportagem de Adelino Gomes”, 25 de Abril de 1974, Associação 25 de Abril

“Edição especial do Telejornal no dia 25 de Abril de 1974”, RTP Arquivos, 25 de Abril de 1974

“A Força do 1.º de Maio”, revista Visão, 1 de Maio de 2015

“1.º de Maio de 1974, o primeiro em liberdade”, RTP, 7 de Janeiro de 2017

“Até amanhã, camaradas”, Manuel Tiago

“Cartas da clandestinidade”, José Magro

“Foi assim”, Zita Seabra

“Gente comum — uma história na PIDE”, Aurora Rodrigues

“Memórias de um inspector da P.I.D.E.: 1. A organização clandestina do P.C.P.”, Fernando Gouveia

“Relatos da clandestinidade — O PCP visto por dentro”, J. A. Silva Marques

2.º capítulo

Decreto n.º 37:112, em Diário do Governo, I Série, n.º 247, 22 de Outubro de 1948 

ANTT PT/TT/TM 

“Manuel Alfredo Tito de Morais: Homenagem ao antigo Presidente da República no centésimo aniversário do seu nascimento”, Divisão de Edições da Assembleia da República, Maio de 2010 

“Tito de Morais um dos corredores de fundo da liberdade e da justiça”, em Acção Socialista n.º 641, 9 de Maio de 1991

“Memórias do exílio”, Ana Aranha e Carlos Ademar

“Os comunistas portugueses no exílio (1960-1974)”, tese de doutoramento, Adelino Filipe Saraiva da Cunha

“O Estado Novo persegue os católicos”, Fundação Mário Soares/AMS — Arquivo Mário Soares

Emissão da “Rádio Voz Da Liberdade Julho 1970”, consultada no soundcloud de Joana Lopes

“Exilados portugueses em Argel: a FPLN das origens à rutura com Humberto Delgado (1960-1965)”, tese de doutoramento, Susana Maria Santos Martins

“Mulheres da clandestinidade”, Vanessa de Almeida

“Vidas na clandestinidade”, Cristina Nogueira

“Crianças emergem da sombra: contos da clandestinidade”, Maria Luísa Costa Dias

“Eles têm o direito de saber… o que custou a liberdade”, Jaime Serra

“Memórias de uma falsificadora: a luta na clandestinidade pela liberdade em Portugal”, Margarida Tengarrinha

“A clandestinidade roubou-lhes a infância”, jornal Público, 24 de Abril de 2016

“Férias contra a ditadura”, jornal Expresso, 6 de Agosto de 2021

“O ‘Socialismo’ que eu vivi”, Cândida Ventura

“And yet it moves!: concluding speech before the Leipzig Trial”, Georgi Dimitrov

“Greve vitoriosa em S. João da Madeira”, jornal Avante!, VI Série n.º 40, Setembro de 1943

Boletim 3 Páginas para as camaradas das casas do partido, n.º 1, Janeiro de 1946

Boletim 3 Páginas para as camaradas das casas do partido, n.º 68, Janeiro de 1956

“II Congresso ilegal do Partido Comunista Português. Resoluções”, Fundação Mário Soares/ AMS — Arquivo Mário Soares/DMJ — Documentos 50.º MUD Juvenil

ANTT, TBH, 2.º JC, Proc. 92/62, cx. 704, 6.º vol.

“Mulheres contra a ditadura”, Cecília Honório

“As lutas sociais nas empresas e a Revolução do 25 de Abril: da reivindicação económica ao movimento político — 1.ª fase”, Maria de Lourdes Lima dos Santos, Marinús Pires de Lima e Vítor Matias Ferreira

“A noite mais longa de todas as noites”, Helena Pato

“O pulsar da revolução: cronologia”, Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra

“A Revolução no Alentejo: memória e traumas da reforma agrária em Avis”, Maria Antónia Pires de Almeida

“‘Comboio da liberdade’ de Mário Soares evocado em Santa Apolónia”, jornal Diário de Notícias, 28 de Abril de 2017

Boletim 3 Páginas para as camaradas das casas do partido

Panfleto A Voz das Camaradas das casas do partido

“Feminismos em Portugal (1947-2007)”, tese de doutoramento, Maria Manuela Paiva Fernandes Tavares

“O PCP e o papel das mulheres na luta clandestina”, boletim O Militante, n.º 254, Setembro/Outubro 2001

Imagens de arquivo

Este trabalho não seria possível sem a colaboração de várias instituições de arquivo e documentação que nos permitiram publicar imagens essenciais para podermos ilustrar esta reportagem. Por graficamente não ser possível a identificação individual de cada uma das imagens no corpo do trabalho, enumeramos aqui, por ordem de apresentação, a sua origem e cota.

Mapa

OpenStreetMap

Leaflet

1.º capítulo

1. De casa às costas

Arquivo Municipal de Lisboa – Ref PT-AMLSB-ART-003431

Arquivo Municipal de Lisboa – Ref PT-AMLSB-ART-003442

Arquivo Municipal de Lisboa – Ref PT-AMLSB-ART-004114

Arquivo Municipal de Lisboa – Ref PT-AMLSB-ART-022112

Arquivo pessoal de Margarida Tengarrinha

Panfleto A Voz das Camaradas das casas do partido, n.º 11, Maio/Junho de 1957

Jornal Avante!, Série VI, n.º 304, 1.ª Quinzena de Agosto de 1961

Boletim O Têxtil, 2.ª série, n.º 61, Maio de 1971

Boletim O Corticeiro, n.º 11, Abril de 1958

Boletim O Militante, n.º 61, Setembro de 1950, p.1

2. Linhas de defesa

Arquivo da Força Aérea

Arquivo pessoal de Maria Machado Pulquério e Raimundo Narciso

Google Maps

3. Do lado de fora

“Elas estiveram nas prisões do fascismo”, União de Resistentes Antifascistas Portugueses

“Se fores preso, camarada…”, Edições Avante!

ANTT, PIDE/DGS P Beja PI 4707, UI 58, folha 7

ANTT, PIDE/DGS SC E/GT 8179, UI 1556, folha 3

Outras

ANTT, PIDE/DGS SC CI (2), UI 18423

ANTT, PIDE/DGS SC PC 1791/68, UI 6052, folhas 172, 198

ANTT, PIDE/DGS SC PC 1295/68, UI 6032, folhas 12, 288, 417

ANTT, PIDE/DGS SC SR 1089/60, UI 3004, folhas 8-11

2.º capítulo

1. A anatomia do exílio

“Sem eleições livres não votes”, Fundação Mário Soares/DMJ — Documentos 50.º MUD Juvenil

ANTT, PIDE/DGS SC CI(2) 3467, UI 7270, folhas 30 e 39

ANTT, PIDE/DGS SC GT 481, UI 1414, folha 10

Arquivo pessoal de Luísa Tito de Morais

“As mulheres portuguesas na luta pela liberdade”, Fundação Mário Soares/Isabel do Carmo/Carlos Antunes

2. A separação

Arquivo pessoal de Luísa Tito de Morais

3. O lugar da mulher

Arquivo pessoal de Cândida Ventura

Boletim 3 Páginas para as camaradas das casas do partido, n.º 1, Janeiro de 1946

Boletim 3 Páginas para as camaradas das casas do partido, n.º 68, Janeiro de 1956

Panfleto A Voz das Camaradas das casas do partido, n.º 1, Junho de 1956

Panfleto A Voz das Camaradas das casas do partido, n.º 3, Agosto de 1956

ANTT, TBH, 2.º JC, Proc. 92/62, cx.704, 6.º vol

Data de publicação

25 de Abril de 2022

Um trabalho

Apoio

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